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Frei Bento - 23-05-2010

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1Frei Bento - 23-05-2010 Empty Frei Bento - 23-05-2010 Dom 23 maio - 3:03

Maria



Esta não me leva nem uma Ave-Maria"
Frei Bento - 23-05-2010
Hoje, é a festa do Pentecostes, da linguagem intercultural, do sonho da comunicação ilimitada no seio das diferenças1. O tema das relações entre a Igreja e a criação cultural foi objecto do encontro de Bento XVI com os intelectuais na sua visita a Portugal. Reapareceu no Câmara Clara, tornou-se um tema permanente da programação da Capela do Rato e já tivemos, por iniciativa do padre João Norton, uma exposição de Arquitectura e Religião, a partir da experiência alemã, acompanhada de um colóquio com visitas a realizações exemplares em Portugal. Na semana passada, nas Conferências de Maio do Centro de Reflexão Cristã, reapareceu a questão com o título: "Conversão Contemporânea e Criação Cultural". Hoje, é a festa do Pentecostes, da linguagem intercultural, do sonho da comunicação ilimitada no seio das próprias diferenças.

A esse propósito, vou evocar três histórias que me parecem significativas.

Numa aldeia rural, não longe de Fátima, foi construída uma capela de estilo moderno. O arquitecto encomendou, a uma escultora, a imagem de Nossa Senhora com o Menino. O resultado foi interessante: o rosto é a transfiguração de uma mulher de aldeia com um menino que não ri. Ao vê-la, um devoto, colonizado pelas imagens de Fátima, disse a meia voz: "Esta não me leva nem uma Ave-Maria." Foi arrumada na sacristia. Já passou por Aveiro e, agora, está a guardar a portaria de um convento em Lisboa.



2.Há bastantes anos, em Moçambique, mais precisamente no Maputo, fazia, com Anselmo Borges, uma série de conferências sobre "A Inculturação do Evangelho". Conheci, nessa altura, um jovem jesuíta de quem fiquei amigo à primeira vista. Com alguns grandes artistas moçambicanos, tinha-se empenhado na configuração de uma igreja, na Matola. No fim, o bispo da diocese, um moçambicano, intimou-o a fazer uma escolha dolorosa: ou fechava a igreja, ou retirava de lá aquelas imagens. O argumento era engenhoso: aquelas controversas esculturas eram obra de africanos comprados por brancos, para mostrar como eles eram feios. Segundo o bispo, havia missionários metidos nesse projecto racista em nome da inculturação da fé.

Nesse dia à noite, o salão estava cheio para a conferência, com a presença do bispo, rodeado de imagens branquíssimas, algumas com rostos e corações vermelhos, que tinham sido salvas das igrejas e capelas nacionalizadas pela revolução. A minha tarefa, nessa noite, foi a de procurar mostrar que eram aquelas imagens, importadas da Europa, que desfiguravam a fé cristã dos brancos e contaminavam a imaginação dos africanos. A "igreja das palhotas", ou a que se reunia à sombra das árvores para ouvir a Palavra, para cantar a fé em ritmos dos povos de Moçambique, para celebrar os sacramentos da conversão e de alimento da esperança, não estava longe da declaração de Jesus à samaritana: seja onde for, é em espírito e verdade que Deus quer ser adorado. Começou, depois, a discussão em torno da arte moderna.

A história das relações entre a Igreja e as expressões culturais da fé - e também entre a arte moderna e a liturgia - pode assumir contornos diferentes, de povo para povo, de época para época e, até, de comunidade para comunidade. Todavia, depois de um longo divórcio, do alastramento de produtos de mau gosto e da perda de sensibilidade estética, uma reaproximação entre os grandes artistas e os responsáveis da Igreja não pode deixar de produzir suspeitas e tensões. A tentação de fazer pontes através de artistas medianos, para atenuar o choque, é fatal: prolonga o reino da mediocridade. Para respirar como humanos, precisamos de horizontes infinitos e do Infinito como horizonte da alma. É pelas formas mais altas da criação artística que a humanidade descola do imediato e levanta voo.



3.A terceira história faz parte do combate do padre dominicano Alain Couturier (1897-1955), testemunhado na revista L" Art Sacré e que muito me impressionou quando entrei no noviciado. Andava este padre a tentar estabelecer laços entre a grande arte contemporânea e as expressões da fé. Apostava só "no génio". Convivia com Bazaine, Braque, Chagail, Le Corbusier, Matisse, Rouault, Léger, Miró, Novarina, Picasso e outros. O seu trabalho consistia em convencê-los a colaborar em novas igrejas e conventos. Teve muitos êxitos. Antes ainda de convencer o grande arquitecto Le Corbusier a fazer um convento dominicano, queria levá-lo a desenhar a capela de Ronchamp. A resistência do arquitecto tinha sempre a mesma forma: "Não, eu não tenho o direito de construir uma igreja, urna capela católica; arranje um arquitecto católico." Por fim, convidou-o para almoçar com André Wogenscky. O padre Couturier mostrou-se frontal: "Sei por que razão o convidei e sei que não é religioso. Estou-me nas tintas para o facto de não ser católico. Precisamos de um grande artista. A intensidade estética, a beleza que ireis fazer sentir naqueles que frequentarão a capela vai permitir, àqueles que têm fé, reencontrar o que vêm procurar. Haverá convergência da arte e da espiritualidade e atingireis muito melhor o nosso objectivo do que se procurássemos um arquitecto católico; julgar-se-ia obrigado a fazer a cópia de antigas igrejas." Le Corbusier sonhou durante alguns segundos e disse: "Então, aceito." Desenhou a capela de Ronchamp [na foto], uma obra-prima da arte sacra do século XX (1).

Ouvimos, na missa de hoje, uma profecia eterna: "Derramarei o meu Espírito sobre toda a carne. Os vossos jovens terão visões e os vossos velhos hão-de ter sonhos."

(1) Marie-Alain Couturier (1897-1955), Un combat pour l"art sacré, Actes du Colloque de Nice, Serre Editeur, 2005.
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