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As raízes imortais da alegria Frei Bento - 04-07-2010

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Maria



As raízes imortais da alegria
Frei Bento - 04-07-2010
Séculos de pregação centrados no pecado e no medo escreveram o antievangelho, o dever sagrado da tristeza1.Se as queixas fossem tomadas a sério, cada português sofreria, pelo menos, de três ou quatro doenças crónicas, como disse Sobrinho Simões na homenagem a Mário Soares... Alguns meios de comunicação social especializaram-se em narrativas da desgraça e na ocultação de quanto poderia abrir o futuro.

Segundo o conhecido cientista António Damásio, "a neurobiologia da emoção e do sentimento diz-nos, em termos bem sugestivos, que a alegria e as suas variantes são preferíveis à tristeza e às suas variantes, que a alegria leva mais facilmente à saúde e ao florescer criador. Não parece haver aqui qualquer equívoco: devemos procurar a alegria, por decreto assente na razão, mesmo que a procura pareça tola e pouco realista" (1).

Séculos de pregação centrados no pecado e no medo escreveram o antievangelho, o dever sagrado da tristeza. S. João coloca na boca de Jesus uma declaração que deve ficar como princípio hermenêutico de todas as narrativas e exortações do Novo Testamento: Isto vos digo para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena. Não negam a finitude, a fragilidade, o sofrimento e a morte, mas é a ressurreição, que tudo comanda, a resistência mais radical ao niilismo.



2.Diz-se nos textos mais cristãos que, onde abunda o amor, não há temor. É precisamente ele que torna o ser humano um nó de boas relações com o universo, com os outros, com Deus.

A este respeito, no capítulo 10 do Evangelho de S. Lucas, sucedem-se histórias espantosas. A primeira conta o alargamento dos colaboradores de Jesus na sua missão do anúncio da proximidade do Reino de Deus. Ao que parece, tudo correu bem. É dito que os setenta e dois voltaram com alegria. Nada lhes resistiu. Tinha sido, de facto, um grande sucesso, mas Jesus não acreditava na eclesiologia do sucesso. Não queria deitar água na fervura, mas, para ele, a raiz da alegria imortal estava noutro lado: Contudo, não vos alegreis porque os espíritos se vos submetem; alegrai-vos, antes, porque os vossos nomes estão inscritos nos céus.

A palavra céus era usada para não profanar o carácter hiper-sagrado de Iavé. Podemos apresentar o seu sentido, dizendo: alegrai-vos porque a vossa verdadeira morada é o coração de Deus, sois eternamente amados.

O que surpreende e espanta nessa declaração é que o próprio Jesus se tenha comovido com o que disse. Naquele momento, ele exultou de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse: Louvo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelar. Este texto é absolutamente espantoso se tivermos em conta que Jesus estava rodeado de sábios e entendidos encartados, social e religiosamente reconhecidos como os detentores do pensamento de Deus, da boa interpretação das Escrituras, daquilo que se deve pensar, dizer, fazer e evitar. Esses, geralmente, tinham um desprezo soberano pelo povo, que não conhecia a Tora (a Lei), como S. João escreveu de forma sugestiva (Jo 7, 25ss).

Aqui, os pequeninos não são as crianças, mas os social e religiosamente insignificantes, aqueles de quem Deus parece não se ocupar e que também não sabem lidar bem com Deus e, por isso, são desprezíveis.



3.Jesus tinha-se comovido, não só porque tinha tocado na raiz de tudo, na mudança mais importante da história religiosa da humanidade, mas também porque descobriu a missão que queria para a sua Igreja. Por isso, o texto sublinha que, voltando-se para os discípulos, disse-lhes a sós: Felizes os olhos que vêem o que vós vedes! Pois eu vos digo que muitos profetas e reis quiseram ver o que vós vedes, mas não viram, ouvir o que ouvis, mas não ouviram.

Um doutor da Lei procurou desviar a atenção com uma pergunta aparentemente embaraçosa: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Jesus sabe que ele não procura uma resposta, mas uma fuga, e apanha-o na sua própria profissão: Que está escrito na Lei? Como lês? É evidente que não ia querer passar por ignorante e respondeu com o primeiro e o segundo mandamentos. Jesus confirmou a exactidão da resposta e acrescentou: Faz isso e viverás.

É sempre aborrecido, no fim de uma conferência, aparecer alguém que não está interessado em ser esclarecido, mas em embaraçar o conferencista. Também nesta narrativa, o sábio, querendo justificar a pergunta, fez outra: Mas quem é o meu próximo?

Jesus perdeu a paciência e obrigou-o à evidência das atitudes concretas a tomar perante quem, de facto, precisa de ajuda e só porque precisa, seja quem for. É a chamada "parábola do Bom Samaritano" (Lc 10, 29-37). Não foram os profissionais mais qualificados da religião de Israel que socorreram o espancado e atirado à valeta. Foi um samaritano qualquer, um herético, quem cuidou do desgraçado.

Enquanto o mundo for mundo, a última palavra que revela o verdadeiro ser humano e o verdadeiro religioso será a prática da compaixão, da misericórdia, rosto de Deus.

(1) António Damásio, Ao Encontro de Espinosa, Europa-América, Lisboa
, 2003, p. 30

in Público

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