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Entre a memória e o sonho Frei Bento Domingues O.P. - 11-07-2010

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Maria



Nos anos 80 do século passado o cardeal Ratzinger desautorizou as tendências mais inovadoras da teologia pós-conciliar1. Bento XVI fez da chamada "Audiência Geral de Quarta-Feira" um tempo de abertura ao conhecimento dos autores mais significativos da cultura teológica da tradição cristã do Oriente e do Ocidente. Começou pelos Padres da Igreja, passou às grandes personalidades da Alta Idade Média e, mais recentemente, debruçou-se sobre alguns teólogos medievais das ordens mendicantes. O Papa centrou-se em duas principais: na de S. Francisco de Assis (1182-1226) e na de S. Domingos de Gusmão (1170-1221). Acerca dos franciscanos destacou Santo António e, com especial carinho, S. Boaventura (dias 3, 10 e 17 de Março): "Confesso-vos que, ao propor-vos este tema, sinto uma certa saudade, porque volto a pensar nas pesquisas que, como jovem investigador, fiz precisamente sobre este autor, que me é particularmente caro. O seu conhecimento influiu em grande medida na minha formação."

Na última das audiências que lhe dedica, refere-se às concepções diferentes de teologia em S. Boaventura e em S. Tomás de Aquino. Não ultrapassa os clichés habituais e oculta as polémicas que opuseram, frontalmente, estas duas grandes figuras da Igreja medieval e o significado desta oposição, tentando uma harmonia na diferença, algo forçada (1).


2. Bento XVI não morria, aliás, de amores não só por algumas das expressões contemporâneas mais significativas da tradição tomista - por exemplo, as de Karl Rahner e de Edward Schillebeeckx -, como até pelas próprias figuras fundadoras desse caminho: Alberto Magno e o seu discípulo, Tomás de Aquino. São, no entanto, as referências medievais incontornáveis do mais profundo entendimento entre razão e fé, ciências, filosofia e teologia. O próprio Karl Rahner considerava Tomás de Aquino um pensador moderno.

Agora, nas catequeses de Quarta-Feira (24 de Março; 2, 16 e 23 de Junho) é Bento XVI que o lembra: "Santo Alberto Magno abriu a porta para a recepção completa da filosofia de Aristóteles na filosofia e teologia medieval, uma recepção elaborada depois de modo definitivo por S. Tomás. Esta recepção de uma filosofia, digamos, pagã pré-cristã, foi uma autêntica revolução cultural para aquela época. E, no entanto, muitos pensadores cristãos temiam a filosofia de Aristóteles, a filosofia não cristã, sobretudo porque ela, apresentada pelos seus comentadores árabes, tinha sido interpretada de modo que parecia, pelo menos sob alguns pontos, totalmente irreconciliável com a fé cristã. Isto é, apresentava-se um dilema: fé e razão estão ou não em conflito entre si?"

Foi num dos textos sobre Tomás de Aquino (16 de Junho) que o Papa explicitou a diferença entre o que era, desde os Padres da Igreja, o pensamento cristão e a construção nova, original, deste filósofo e teólogo, ao levar a cabo o caminho iniciado por Alberto Magno. Para Tomás de Aquino, se houver respeito pelo uso autónomo da razão - exercido nas diferentes ciências e filosofias - e

pelo acolhimento cristão da autêntica revelação, em vez do conflito pode nascer uma harmonia, embora com tensões permanentes. A graça não substitui a natureza. São duas linguagens do mesmo Logos divino que age tanto no âmbito da criação, como no da redenção.



3. Bento XVI tem toda a razão em lembrar, no seu magistério, os momentos históricos mais criadores do pensamento cristão do Oriente e do Ocidente. No século XX, foi impressionante a investigação histórica e a edição crítica das obras dos grandes autores. Dormem, no entanto, nas grandes bibliotecas ignoradas pelo povo cristão e pouco frequentadas pelos agentes de pastoral.

Para muitos, as referidas e meritórias audiências catequéticas não conseguem fazer esquecer que, nos anos 80 do século passado, o cardeal Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, desautorizou as tendências mais inovadoras da teologia pós-conciliar, provocando um grande vazio no pensamento católico. As dificuldades de confronto com a cultura moderna e contemporânea acentuaram-se, embora João Paulo II tenha verificado que o tema das relações entre razão e fé, entre ciência, filosofia e teologia era essencial e precisava de ser reavaliado, recuperando a memória de Galileu e acolhendo as investigações no campo da evolução. Bento XVI retomou essas preocupações perante os perigos do novo ateísmo, do relativismo, do fundamentalismo. Razão e Fé, Verdade na Caridade, tornaram-se lemas do seu pontificado.

As questões que nascem dessa relação, com alguns séculos de conflitos, não se resolvem com decisões de boa vontade e com alguns gestos de acolhimento de grandes cientistas. A hierarquia católica continua a sustentar posições em nome da fé e da moral, sobretudo em alguns âmbitos já muito denunciados, que uma ética racional do discurso exigiria a sua urgente revisão. Não se pode invocar a razão e, depois, não ligar às suas exigências, como escreveu o filósofo Emilio Garcia Estébanez, que conhecia muito bem a teologia e a sua história (2).

E indispensável olhar para o passado e para o futuro, mas as urgências do presente não se resolvem só com memória e sonho.



Eudaldo Forment, Santo Tomás de Aquino, BAC, Madrid, 2009, pp. 474ss; 688ss

La ética del discurso y la moralización del discurso teológico, in Estudios Filosóficos, 139 (1999) 413-460



In Público: Wink

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