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Natal sangrento e liberdade religiosa Frei Bento - 02-01-2011

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Maria



Natal sangrento e liberdade religiosa
Frei Bento - 02-01-2011
"Ninguém pode ser obrigado a aceitar à força uma determinada religião, quaisquer que sejam as circunstâncias e as razões"1. Mário Soares, presidente da Comissão da Liberdade Religiosa, tem toda a razão em destacar a notícia de jornais e televisões internacionais que colocam Portugal como o país europeu onde se verifica uma maior tolerância religiosa, assim como o diálogo e o respeito entre as diferentes religiões e entre crentes e não crentes, o que "nos garante o acesso a um alto patamar democrático e civilizacional. Nem tudo na vida são números e défices..." (DN, 28.12.2010).

Depois do 25 de Abril de 1974, desde o Primeiro Governo Provisório, este grande político humanista tomou as iniciativas e assumiu os gestos - em relação ao cardeal D. António Ribeiro e ao Vaticano - que neutralizaram certos ressentimentos e desejos de ajustes de contas com o passado que poderiam reeditar a "questão religiosa" de triste memória. É verdade que o Vaticano II já tinha sido realizado, que o regresso do exílio de D. António Ferreira Gomes, a actuação de D. Sebastião Soares de Resende e de D. Manuel Vieira Pinto, assim como a presença actuante de muitos católicos, na oposição, favoreciam as corajosas diligências do, então, ministro dos Negócios Estrangeiros.



2. Esta situação não nos dispensa, antes pelo contrário, de estarmos atentos ao tema da Mensagem de Bento XVI, para o Dia Mundial da Paz de 2011: Liberdade religiosa, Caminho para a Paz. Somos cidadãos do mundo e a vocação dos católicos consiste em trabalhar pela liberdade e pela paz universais.

O Papa, no entanto, não pode esquecer a sua responsabilidade em relação às comunidades cristãs em diálogo ecuménico entre si e em diálogo inter-religioso com todas as religiões do mundo. O Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo 2010, apresentado pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre, revela que, em todo o mundo, o número de cristãos perseguidos é de 200 milhões. Outros 150 milhões são discriminados pela sua religião. A fé cristã é a mais difundida, mas também a mais perseguida. Segundo esta fonte, que analisa a situação de 194 países, aqueles onde se verificam as maiores violações à liberdade religiosa são a Arábia Saudita, Bangladesh, Egipto, Índia, China, Uzbequistão, Eritreia, Nigéria, Vietname, Iémen e Coreia do Norte.

São números impressionantes. Não tenho hipótese de os confirmar, negar ou corrigir. No entanto, foi sobretudo na Nigéria, nas Filipinas e no Iraque que este Natal foi, especialmente, sangrento. Bento XVI, aliás, não se refere a esse Relatório na sua Mensagem nem invoca todos esses países e de forma alguma pretende lançar uma cruzada contra os inimigos da Igreja. No livro de entrevistas, Luz do Mundo, confessa que já encontrou, no mundo muçulmano, aliados contra o abuso terrorista do islão porque é uma luta comum: "Em comum defendemos, por um lado, os grandes valores religiosos - a fé em Deus e a obediência a Deus - e, por outro lado, temos de encontrar o lugar certo na Modernidade." A mensagem de ontem - a do XLIV Dia Mundial da Paz - é um documento doutrinal sobre os diversos aspectos e implicações da liberdade religiosa: nem fanatismo religioso nem laicismo. Por isso, "a mesma determinação, com que são condenadas todas as formas de fanatismo e de fundamentalismo religioso, deve animar também a oposição a todas as formas de hostilidade contra a religião, que limitam o papel público dos crentes na vida civil e política" (n.° Cool.



3. Quanto ao reconhecimento da liberdade religiosa pela Igreja Católica, o percurso feito, desde Gregório XVI e Pio IX (século XIX) até ao Vaticano II, é espantoso: para eles, a liberdade de consciência era um delírio, uma loucura; neste Concílio, tornou-se um imperativo. Foi, aliás, longa e atribulada a história do texto da Declaração Dignitatis Humanae, proclamada por Paulo VI, a 7 de Dezembro de 1965.

A cortesia oficial dos documentos eclesiásticos diz sempre, com humor inconfessado, que está a continuar aquilo mesmo que está a modificar: "Este Concílio Vaticano investiga a sagrada tradição e a doutrina da Igreja, das quais tira novos ensinamentos, sempre concordantes com os antigos" (DH 1). O teólogo Christian Duquoc, O.P., fez um estudo, extremamente interessante, sobre o riso, o humor e o magistério eclesiástico, onde exemplifica muitos casos das passagens do proibido ao obrigatório ou do obrigatório ao proibido. O riso é, aliás, uma boa terapia contra todas as formas de fanatismo (1).

João Paulo II não precisou de artimanhas para reafirmar o que nunca mais deve ser esquecido: "A religião exprime as aspirações mais profundas da pessoa humana, determina a sua visão do mundo, orienta o seu relacionamento com os outros: fundamentalmente oferece a resposta à questão do verdadeiro significado da existência, tanto no âmbito pessoal como social. Por isso mesmo, a liberdade religiosa constitui o coração dos direitos humanos. É de tal modo inviolável que exige que se reconheça à pessoa inclusivamente a liberdade de mudar de religião, se a sua consciência o pedir. Com efeito, cada um tem o dever de seguir em todas as ocasiões a sua consciência, e não pode ser forçado a agir contra ela. Por conseguinte, ninguém pode ser obrigado a aceitar à força uma determinada religião, quaisquer que sejam as circunstâncias e as razões" (2).

Este primado da consciência informada não deveria ser esquecido na prática interna da própria Igreja Católica. Bom Ano!



(1) Lumière & Vie 230 (Dez. 1996), pp. 61-73.

(2) Dia Mundial da Paz 1999, n.° 5



In Público

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