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Dizer mal de nós - Frei Bento Domingues,O.P.

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Maria




Dizer mal de nós

09.03.2008, Frei Bento Domingues O.P.


Ninguém pode esperar que a política seja um mar de rosas


1. Não é a amabilidade, mas o conflito, que desenha a vida política. A promoção do bem comum, que a deve nortear, está sempre confrontada com interesses de indivíduos, de grupos, de corporações, de classes, de ideologias. Ninguém pode esperar que a política - ciência e arte da promoção da justiça e do convívio social - seja um mar de rosas. No entanto, em tempos exageradamente crispados, é desejável que as pessoas baixem um bocadinho a voz para poderem ouvir as razões e os motivos uns dos outros. A paixão pelo real deveria exceder a paixão pelo culto e cultivo das aparências que o ocultam. Mário Soares, na quarta-feira passada, publicou um artigo, no Diário de Notícias, que, neste momento algo agitado, merece redobrada atenção pela sua lição de sabedoria. Apetece-me glosá-lo - em parte o farei - mas sinto-me, sobretudo, provocado por ele.
No seu artigo, em vez de alinhar com o discurso catastrofista de algumas pessoas, orquestrado pelos meios de comunicação social, tem prazer em realçar a fortíssima identidade nacional e destacar a cultura e a sabedoria inata do povo português.

Não esquece, no entanto, uma péssima doença de que sofrem os portugueses: desconfiam de si próprios. Na sua opinião, têm o estranho hábito de dizer mal - não no estrangeiro, mas em Portugal - de si e da sua terra. É um mal que vem de longe. O autor não consegue explicá-lo, mas torna-o visível no seguinte contraste: em toda a parte, os portugueses são respeitados, como pessoas sérias, afáveis e trabalhadoras; gozam de justo prestígio e fazem excelente figura entre as outras comunidades nacionais. Apesar disso, na sua terra, estão sempre a menosprezar o seu país: é a parvónia, a piolheira, como lhe chamava D. Carlos, a choldra. Parecem sofrer de um complexo de inferioridade em relação ao estrangeiro...

Sem qualquer razão de ser. Como sublinha, a nossa história, que se desdobra por tantas regiões do mundo e deixou marcas em todos os continentes, é incomparável. Se os portugueses, no geral, são afáveis, reconhece que há portugueses azedos - entre as elites - que gostariam de ter nascido no estrangeiro e que não perdem uma oportunidade para desancar o seu país. Soares confessa que nunca os compreendeu, mesmo quando eram escritores de génio, como Eça de Queirós, ou grandes caricaturistas, como Rafael Bordalo Pinheiro, ou pertenciam a círculos snobes, como os Vencidos da Vida, com todo o respeito que lhe merecem essas ilustres pessoas.

2.Ou porque não há remédio para essa doença ou porque o masoquismo a reforça, dia em que jornais e televisões não se deliciarem a mostrar que estamos na cauda da Europa, em último lugar em tudo o que é bom e em primeiro em tudo o que é mau, não é dia. Parece que Portugal existe apenas como cabide de desgraças descritas até ao mais ínfimo pormenor. E uma chaga sem corpo. Como está tudo mal, as reformas são impossíveis, pois não há nada a reformar. Os cadáveres são irreformáveis.

Mas, se alguém tiver a ousadia de mostrar que há reformas inadiáveis para tornar viável o futuro da vida nacional, a reacção é imediata: não estraguem o país com reformas. Quando as reformas estão em marcha, era preciso ter tempo para as discutir porque são precisas, mas não assim. Depois, se as reformas não são realizadas, a orquestra dos mesmos começa a tocar: somos um país adiado, isto nunca mais vai para a frente.

3. O país não é grande, mas continua muito desconhecido dos próprios portugueses. Não estou a pensar só em paisagens e monumentos. Refiro-me, sobretudo, ao país que se constrói nas famílias, nas escolas, na agricultura, nas empresas, nas fábricas, nas universidades, nos centros de investigação, na criação artística, nos internatos, nos lares para idosos, nas prisões, nas escolas de polícia, nos serviços públicos, etc. Fazer de um telejornal a apresentação minuciosa de acidentes, desastres, polícias, ladrões e jogadores de futebol não é, de certeza, a única informação que interessa. Um país, para se conhecer a si mesmo, precisa, em primeiro lugar, de ser informado acerca do que está a nascer, a crescer e a desenvolver, em todos os sectores da vida e da actividade. A melhor pedagogia não é aquela que só sabe mostrar o que está mal, mas a que ajuda a potenciar o que há de melhor nas pessoas, nos grupos, nas instituições.

Com inteligência e boa vontade, com os recursos de que os meios de comunicação podem dispor, é possível fazer mais e melhor. Quando digo "boa vontade", estou a referir-me à noção que dela tinha I. Kant: "Em nenhum lugar do mundo, nem fora dele, é possível pensar em algo que pudesse ser considerado bom, sem restrição, a não ser unicamente a boa vontade". É o único bem incondicionado. Se a boa vontade não pode ser utilizada para o mal é porque a vontade, por sua própria natureza, não pode ser utilizada, pois é ela que utiliza as outras energias e capacidades.


É preciso tornar boa a nossa vontade para não sermos facciosos.
É essa a tarefa da Quaresma: caminho da Páscoa. A partir dessa fonte de bondade e lucidez, é possível ter bons olhos e coração para ver a Igreja, Portugal e o Mundo.

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