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Ao mesmo tempo religioso e ateu? por Pe.ANSELMO BORGES

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Maria



Ao mesmo tempo religioso e ateu?
por Pe.ANSELMO BORGES

Como aqui me refiro por vezes a quem se considera ao mesmo tempo religioso e ateu, gostaria de tentar explicar.
Podemos apresentar exemplos. É sabido que Einstein tinha profunda veneração pela natureza - uma veneração de tipo religioso -, mas não aceitava Deus como pessoal e criador. Ernst Bloch afirmava que onde há esperança há religião. Segundo a sua concepção da matéria, força divina geradora de tudo, pode esperar-se uma salto "sobrenaturante" da natureza, de tal modo que se dê a reconciliação entre a natureza e o homem, que, no limite, se poderia tornar imortal. Mas afirmava-se ateu, porque não aceitava o Deus bíblico, transcendente, pessoal e criador.

Nesta ligação à natureza, força geradora divina impessoal, há traços de religiosidade quase mística, mas, ao mesmo tempo, porque se não acredita no Deus transcendente, pessoal, criador, com quem se tem uma relação pessoal, não se presta culto, não se reza, e, sobretudo, não se espera dele a salvação. Aí está uma religiosidade ateia.

Actualmente, um exemplo desta vivência como ateu e religioso é o filósofo A. Comte-Sponville, que se define como "ateu fiel": "ateu, porque não acredito em nenhum Deus nem em nenhum poder sobrenatural; mas fiel, pois me reconheço numa certa história, numa certa tradição, numa certa comunidade, e especialmente nos valores judeo-cristãos (ou greco-judeo-cristãos) que são os nossos", e que, neste sentido, escreveu a obra L'Esprit de l'athéisme.

Quando se pergunta: "Acredita em Deus?", deve-se perguntar previamente o que é que se entende por Deus. Assim, Comte-Sponville propõe a seguinte definição: "Entendo por 'Deus' um ser eterno, espiritual e transcendente (ao mesmo tempo exterior e superior à natureza), que teria consciente e voluntariamente criado o universo. Supõe-se que é perfeito e plenamente feliz, omnisciente e omnipotente. É o Ser supremo, criador e incriado (é causa de si), infinitamente bom e justo, de quem tudo depende e que não depende de nada. É o absoluto em acto e em pessoa."

É precisamente em relação a este Deus pessoal que A. Comte- -Sponville se confessa ateu. Não podemos saber se Deus existe ou não. Deus não é objecto de saber, se entendermos saber como "o resultado comunicável e controlável de uma demonstração ou de uma experiência". Assim, há quem acredite que há Deus e quem acredite que não há. Comte-Sponville é ateu, não crê, mas sublinhando que não pretende saber que Deus não existe: "Creio que não existe." Se alguém disser que sabe que Deus não existe, "não é em primeiro lugar um ateu, mas um imbecil", do mesmo modo que, se alguém disser que sabe que Deus existe, "é um imbecil que toma a sua fé por um saber".

Há razões para crer e razões para não crer. A. Comte-Sponville faz o elenco das razões que o levam a não crer em Deus, sendo uma das principais a existência do mal no mundo. Mas afirma-se espiritual - prefere a expressão espiritualidade a religiosidade, porque a religião está vinculada em princípio a religiões institucionalizadas -, no quadro de um certo tipo de experiência mística, feito de plenitude, silêncio, experiência oceânica, simplicidade, eternidade... Quando falta Deus, há "a plenitude do que é, que não é um Deus, nem um sujeito". Há o Todo, pouco importando os nomes: o ilimitado (Anaximandro), o devir (Heraclito), o ser (Parménides), o Tao (Lao-tsé), a natureza (Lucrécio, Espinosa), o mundo ("o conjunto de tudo o que acontece": Wittgenstein), o real "sem sujeito nem fim" (Althusser), o presente ou o silêncio (Krishnamurti) - "o absoluto em acto e sem pessoa".

Quando não há Deus que nos salva, que é a espiritualidade? "É a nossa relação finita com o infinito ou a imensidade, a nossa experiência temporal da eternidade, o nosso acesso relativo ao absoluto." O que faz viver não é a esperança, mas o amor; o que liberta não é a fé, mas a verdade. "Já estamos no Reino: a eternidade é agora."
Aqui, a pergunta radical é: um Deus não invocável pelo homem salvaria alguém enquanto pessoa? O núcleo da questão é a pessoa.


IN DN

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