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Santos populares Frei Bento - 20-06-2010

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Maria



Santos populares
Frei Bento - 20-06-2010
Esse mundo da integração da cultura popular e da religião perdeu a beleza e a energia de outros temposS ão rimas de calendário: "Primeiro vem Santo António/ depois, S. João/ por fim, vem S. Pedro/ para a reinação." S. Tiago vem quando "pinta o bago". Daí em diante, os santos populares e as múltiplas invocações de Cristo, de Nossa Senhora e dos outros santos, mais locais, só acabam com o Inverno. Mesmo Nossa Senhora de Fátima, situada no centro do país, começa em cheio a 13 de Maio e vai até 13 de Outubro. A Primavera, o Verão e o Outono inspiram mais as festas populares do que o Inverno, embora, na Europa, o Natal seja a grande celebração do tempo frio e a Páscoa o recomeço de tudo.

Entre os santos populares, uns são mais universais do que outros. Alguns são apenas a referência de uma região ou mesmo só de uma pequena localidade. Nas suas festas, vão em andores floridos abençoar o seu povo. O prestígio de outros abre as fronteiras às promessas de todos os peregrinos.

Miguel Torga, que detestava o verde Minho, calcorreou com paixão, desde 1941 até 1982, os picos das serranias do Gerês: "Ah, beleza encontrada/Deste painel de montes, céu e água/Que o acaso pintou/ Com cega brutalidade,/E deixou/Na pura exactidão que exige a eternidade!" Encontrou-se, várias vezes, com a estranha devoção a S. Bento da Porta Aberta - santuário medíocre, numa paisagem deslumbrante - que assinalou no seu Diário: "Não direi como se chama, nem o nome interessa. Vale a pena, sim, registar a natureza da promessa que fez: vir aqui todos os anos, enquanto tivesse saúde, e deitar meia dúzia de foguetes à chegada. Pequenino, vivaço, de cigarro aceso na mão, enquanto vagas sucessivas de romeiros, num rodopio penitente, ensanguentavam com os joelhos abertos a faixa que a compaixão canónica aplainou na aspereza do adro, pegava ele lume à pólvora dos morteiros e deixava-os subir. E ao lado da colectiva devoção rasteira, encheu-me de esperança aquela solitária devoção alada. A fé numa humanidade de astronautas, que, em vez de mortificar o corpo a remir graças imaginárias, entre pelo céu dentro a exibir desportivamente diante de Deus a alegria de viver."

Esta religião despertava formas criativas de cultura popular. Todos os anos, S. Bento da Porta Aberta era invadido por romeiros que vinham de todos os lados com as suas novidades rústicas de dança, de poesia e de música, ensaiadas pelos caminhos serranos, para os concursos improvisados a toda a hora. "Aqui apresento - diz Miguel Torga - ao leitor benévolo o João Cantador, ou seja, o Nijinski do Minho. Nasceu em Rio Caldo, nunca foi vencido em desafios de cavaquinho e de malhão, funda na Bíblia as suas réplicas, e é de verdade um bailarino extraordinário, único, que só a nossa incultura consente se perca por estas serras a embebedar-se com vinho verde."

Esse mundo da integração da cultura popular e da religião perdeu a beleza e a energia de outros tempos com a emigração maciça, sobretudo a partir dos anos 60 do século passado. Na verdade, o catolicismo popular, como expressão da alegria e da dor de viver, já tinha sofrido rudes golpes, não tanto com a secularização, mas sobretudo com os programas de "cristianização" das festas.

Essa integração era acusada de misturar o profano e o sagrado, o paganismo e o cristianismo, a fé e a superstição, a devoção e a magia. Querendo, talvez, imitar o De Correctione Rusticorum de Martinho de Dume (século VI) (1), a ignorância da antropologia cultural e social e da reflexão teológica sensível à humanidade de Deus, levou alguns bispos e padres, dos anos 40 e seguintes, a não ver que estavam a deitar fora a criança com a água suja.

Estávamos ainda longe do Vaticano II e da luminosa Evangelii nuntiandi, de Paulo VI (1975), assim como de todos os esforços de inculturação da fé que se lhe seguiram. O Papa foi muito claro: "A ruptura entre o Evangelho e a cultura é, sem dúvida, o drama da nossa época, como o foi também de outras épocas" (n.20).

Existe, agora, felizmente, a Pastoral da Cultura, a nível de toda a Igreja com os seus secretariados nacionais, assim como o Directório sobre a Piedade Popular e a Liturgia. É impossível, porém, a recuperação do que, entretanto, foi perdido.

Esquecemos que, em muitas localidades, os emigrantes ainda vêm, nas férias, carregados de promessas e devoção que desejam exprimir no quadro que foi o dos seus antepassados, embora com algumas inovações. Procuram perdão e consolo que ilumine o novo ano nos países de destino. Tentam organizar a festa do santo padroeiro em termos de integração da religião e da cultura. Não é fácil por dois motivos: a sensibilidade e a linguagem das novas gerações têm outras exigências; alguns párocos, como pude observar ainda no ano passado, retomaram o autoritarismo de antigamente e querem ser eles a programar tudo, mesmo aquilo que nunca entenderam nem querem entender. Estes servem, sem se dar conta, aqueles que pensam que a religião é a suprema alienação. Mas quantos assim pensam, como dizia José Régio, "não podem compreender de quantas alienações ela nos liberta".



(1) Martinho de Braga, Instrução Pastoral sobre as Superstições Populares. De Correctione Rusticorum, Edição, tradução, introdução e comentários de Aires A. Nascimento, Edições Cosmos, Lisboa, 1997




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