Elogio da participação na política
Frei Bento - 10-10-2010
A virtude da política, tanto neste concílio como em João Paulo II, é apresentada em termos de cultura samaritana1. Diz-se que o animal é um feixe de respostas, a nível individual e de grupo. Nele, está quase tudo previsto. O ser humano é um animal indeciso, um feixe de perguntas de muitas dimensões. Por natureza, é um animal social. Não pode viver nem realizar-se a não ser em sociedade, na qual não tem só direitos, mas também deveres. A virtude pela qual assume estes direitos e deveres e o leva a empenhar-se no bem da sociedade é precisamente a política.
Actualmente, entre as virtudes práticas, poucas haverá tão desconsideradas como esta. Anda associada ao egoísmo, à ambição, à ânsia de êxito, de poder, de riquezas e a toda uma outra série de maldades maquiavélicas. É um dos objectos preferidos da má-língua. Um político, a priori, não é honesto. Para os antigos, pelo contrário, a actividade política era considerada a mais excelente e a mais humanitária de todas, aquela que procura o bem maior, o bem comum, isto é, simultaneamente, o bem próprio e o bem de todos os outros. Platão atribuía à política um valor soteriológico. Aristóteles tem dois discursos sobre a perfeição e a felicidade do indivíduo. Num deles, situa a virtude suprema do ser humano na ordem especulativa, a saber, na procura e contemplação da verdade. No outro, situa essa perfeição na ordem prática, no exercício da virtude suprema desta ordem que é a política. Esta promove o bem do indivíduo e o da cidade, o bem comum que é o maior bem acessível ao ser humano.
Para os antigos gregos, o empenhamento político fazia parte natural do conceito de cidadão, como se depreende das palavras de Péricles (495-429 a.C.), pronunciadas há 2500 anos, palavras a não esquecer: "Quem não se informa dos assuntos públicos e não participa neles não é um despreocupado, é um parvo."
2. O Vaticano II, depois de marcar a primazia do bem comum, insiste no que ele exige de todas as pessoas: "Para que todos os cidadãos possam participar na vida da comunidade política, deve atender-se cuidadosamente à educação cívica e política, hoje incessantemente necessária tanto para a população em geral como, sobretudo, para os jovens. Aqueles que são ou se podem tornar idóneos para exercer a arte tão difícil e nobre da política preparem-se para ela e esforcem-se por exercê-la, esquecendo o próprio interesse e o benefício venal. Lutem com integridade e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o domínio arbitrário e a intolerância, dum homem só ou dum partido político. Dediquem-se ao bem de todos com sinceridade e equidade, com caridade e fortaleza política" (GS 75).
A virtude da política, tanto neste concílio como em João Paulo II, é apresentada em termos de caridade política, de cultura samaritana, de civilização do amor. Não se trata, porém, da caridade assistencialista, mas da caridade exercida através das estruturas e dos serviços públicos. Responde, desta maneira, à perspectiva de Hegel que concebe o processo histórico como uma transformação sucessiva dos princípios morais, tornando-os capazes de abrigar os indivíduos e os grupos sob normas jurídicas, válidas para toda a sociedade: "O Estado", escreve, "é a realidade efectiva da ideia ética." Por este processo, a solidariedade (ou a caridade) transforma-se em lei e em direitos, isto é, a caridade institucionaliza-se. Para o conseguir, é preciso intervir na política, pressionando, a fim de eliminar as estruturas injustas e implantar aquelas que sejam verdadeiramente justas.
A participação activa na política - pode revestir-se de várias formas - é uma tarefa que o Magistério da Igreja considera uma obrigação de todos e, nomeadamente, dos cristãos. Já dizia Leão XIII: "Não querer, de modo nenhum, tomar parte na vida pública seria tão repreensível como não querer prestar nenhuma ajuda ao bem comum." É por isso que o Vaticano II, como vimos, elogia tanto a preparação para a profissão de político.
O Papa João Paulo II reagiu com dureza contra as campanhas sistemáticas destinadas a denegrir os políticos: "As acusações de arrivismo, de idolatria do poder, de egoísmo e de corrupção que, com frequência, são dirigidas aos homens do Governo, do Parlamento, da classe dominante, do partido político, como também a difundida opinião de que a política é um lugar de perigo moral, não justificam, de forma nenhuma, nem a ausência nem o cepticismo dos cristãos em relação com a coisa pública."
3. Quando se olha para as opiniões que circulam nos meios de comunicação e em todas as conversas acerca da política e dos políticos, fica-se com a ideia de que os filósofos gregos e o Magistério da Igreja católica estão fora do mundo real. Parecem visões de um mundo arcaico, distante da complexidade actual dominada pela globalização, com seus vícios e virtudes.
Apesar de tudo, importa distinguir a natureza da moral e a natureza da política para as poder associar. Como diz A. Comte-Sponville, "não são os mais virtuosos que governam, mas os que ganharam as eleições. Felizmente! Quem serão os mais virtuosos? Acerca disso, nenhum consenso é verosímil. Estaríamos entregues à guerra civil. É melhor contar os votos".
in Público
Frei Bento - 10-10-2010
A virtude da política, tanto neste concílio como em João Paulo II, é apresentada em termos de cultura samaritana1. Diz-se que o animal é um feixe de respostas, a nível individual e de grupo. Nele, está quase tudo previsto. O ser humano é um animal indeciso, um feixe de perguntas de muitas dimensões. Por natureza, é um animal social. Não pode viver nem realizar-se a não ser em sociedade, na qual não tem só direitos, mas também deveres. A virtude pela qual assume estes direitos e deveres e o leva a empenhar-se no bem da sociedade é precisamente a política.
Actualmente, entre as virtudes práticas, poucas haverá tão desconsideradas como esta. Anda associada ao egoísmo, à ambição, à ânsia de êxito, de poder, de riquezas e a toda uma outra série de maldades maquiavélicas. É um dos objectos preferidos da má-língua. Um político, a priori, não é honesto. Para os antigos, pelo contrário, a actividade política era considerada a mais excelente e a mais humanitária de todas, aquela que procura o bem maior, o bem comum, isto é, simultaneamente, o bem próprio e o bem de todos os outros. Platão atribuía à política um valor soteriológico. Aristóteles tem dois discursos sobre a perfeição e a felicidade do indivíduo. Num deles, situa a virtude suprema do ser humano na ordem especulativa, a saber, na procura e contemplação da verdade. No outro, situa essa perfeição na ordem prática, no exercício da virtude suprema desta ordem que é a política. Esta promove o bem do indivíduo e o da cidade, o bem comum que é o maior bem acessível ao ser humano.
Para os antigos gregos, o empenhamento político fazia parte natural do conceito de cidadão, como se depreende das palavras de Péricles (495-429 a.C.), pronunciadas há 2500 anos, palavras a não esquecer: "Quem não se informa dos assuntos públicos e não participa neles não é um despreocupado, é um parvo."
2. O Vaticano II, depois de marcar a primazia do bem comum, insiste no que ele exige de todas as pessoas: "Para que todos os cidadãos possam participar na vida da comunidade política, deve atender-se cuidadosamente à educação cívica e política, hoje incessantemente necessária tanto para a população em geral como, sobretudo, para os jovens. Aqueles que são ou se podem tornar idóneos para exercer a arte tão difícil e nobre da política preparem-se para ela e esforcem-se por exercê-la, esquecendo o próprio interesse e o benefício venal. Lutem com integridade e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o domínio arbitrário e a intolerância, dum homem só ou dum partido político. Dediquem-se ao bem de todos com sinceridade e equidade, com caridade e fortaleza política" (GS 75).
A virtude da política, tanto neste concílio como em João Paulo II, é apresentada em termos de caridade política, de cultura samaritana, de civilização do amor. Não se trata, porém, da caridade assistencialista, mas da caridade exercida através das estruturas e dos serviços públicos. Responde, desta maneira, à perspectiva de Hegel que concebe o processo histórico como uma transformação sucessiva dos princípios morais, tornando-os capazes de abrigar os indivíduos e os grupos sob normas jurídicas, válidas para toda a sociedade: "O Estado", escreve, "é a realidade efectiva da ideia ética." Por este processo, a solidariedade (ou a caridade) transforma-se em lei e em direitos, isto é, a caridade institucionaliza-se. Para o conseguir, é preciso intervir na política, pressionando, a fim de eliminar as estruturas injustas e implantar aquelas que sejam verdadeiramente justas.
A participação activa na política - pode revestir-se de várias formas - é uma tarefa que o Magistério da Igreja considera uma obrigação de todos e, nomeadamente, dos cristãos. Já dizia Leão XIII: "Não querer, de modo nenhum, tomar parte na vida pública seria tão repreensível como não querer prestar nenhuma ajuda ao bem comum." É por isso que o Vaticano II, como vimos, elogia tanto a preparação para a profissão de político.
O Papa João Paulo II reagiu com dureza contra as campanhas sistemáticas destinadas a denegrir os políticos: "As acusações de arrivismo, de idolatria do poder, de egoísmo e de corrupção que, com frequência, são dirigidas aos homens do Governo, do Parlamento, da classe dominante, do partido político, como também a difundida opinião de que a política é um lugar de perigo moral, não justificam, de forma nenhuma, nem a ausência nem o cepticismo dos cristãos em relação com a coisa pública."
3. Quando se olha para as opiniões que circulam nos meios de comunicação e em todas as conversas acerca da política e dos políticos, fica-se com a ideia de que os filósofos gregos e o Magistério da Igreja católica estão fora do mundo real. Parecem visões de um mundo arcaico, distante da complexidade actual dominada pela globalização, com seus vícios e virtudes.
Apesar de tudo, importa distinguir a natureza da moral e a natureza da política para as poder associar. Como diz A. Comte-Sponville, "não são os mais virtuosos que governam, mas os que ganharam as eleições. Felizmente! Quem serão os mais virtuosos? Acerca disso, nenhum consenso é verosímil. Estaríamos entregues à guerra civil. É melhor contar os votos".
in Público