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«Ecce Hommo»!

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1«Ecce Hommo»! Empty «Ecce Hommo»! Dom 16 Mar - 16:47

Victor Sierra



Se Diógenes vivesse hoje entre nós (uma espécie de Agostinho da Silva, do séc. IV a. C.), certamente que pegava de novo na sua candeia e, saindo do barril onde habitava, tornava a percorrer as nossas praças, em plena luz do dia, à procura do «homem»...
Na verdade, o homem, ser criado de corpo e alma – uma alma racional -, que pensa, que reflecte, que cria, que ama, que livremente se determina diante de escolhas múltiplas, em ordem à sua felicidade, sempre em busca progressiva, parece estar a desaparecer do mundo em que vivemos.
Está a desaparecer, não em número, mas como Homem que é, ou devia ser. O homem de hoje, sobretudo o homem ocidental e, por consequência, o homem português, está a perder – como alguém já o afirmou -, a capacidade de pensar. Hoje não se pensa, não se reflecte, não se toma tento à vida e às responsabilidades que cada um tem sobre as costas. Já não se pergunta: ”quem sou, donde venho, para onde vou...; que ando eu aqui a fazer?...
Somos produto de uma sociedade cada vez mais influenciada pelo mediatismo global sem freio... O mundo à nossa volta, de que vamos tomando conhecimento, é o mundo que nos entra pela casa dentro através das notícias da comunicação social, sobretudo através da televisão. Somos condicionados pela Informação... Condicionados nos juízos, nas atitudes e nas escolhas. Condicionados pelos manipuladores de opinião, que apenas pretendem atingir os seus próprios interesses desmedidos, à custa e com prejuízo do interesse alheio e do interesse de todos. Damos tudo por aceitável, por verdadeiro, mesmo a mentira e a vigarice. Estamos envolvidos pelo «conto do vigário» generalizado, universal, que nos ataca, até, pelo telefone. Sem mencionar as agressões e seduções mais sofisticadas e refinadas, de ordem intelectual e moral, à escala mundial, a que, hoje, cada um pode aceder pelas janelas do seu monitor, na web.
A política, também, pode ser, e geralmente é, um extenso caldo de cultura para que o homem se arrogue o direito de «pensar» pelos outros, e para que esses outros, preguiçosamente, se demitam de pensar por si próprios. Já não sabemos quem nos diz a verdade, quem quer ou está em condições de cumprir o que oferece ou promete, quem defende o bem comum ou apenas pretende o nosso apoio para defesa do seu próprio umbigo. A cada um a “sua” verdade!
Depois, e porque o homem perdeu a capacidade de pensar, porque se foi desabituando de o fazer e já não encontra tempo para recuperar, facilmente se vende, a si próprio, nos «bas-fond» da praça pública dos negócios escuros, numa sociedade cada vez mais prostituída e corrupta. Daí que o crime campeie e a marginalidade alastre, ameaçadora e medonha, opressiva. O homem está a tornar-se a mais sanguinária fera do planeta. Nenhuma outra espécie provoca tanta violência, destruição e morte, na humanidade e no mundo que lhe foi dado para viver e cuidar. O predador por excelência!
De tal forma vivemos esta situação insensata, que as pessoas começam a entrar em pânico, sem vislumbrar um futuro promissor e tranquilo. Perdem a esperança de melhores dias e a confiança nos governantes, nas autoridades, na justiça pública, nas cátedras do ensino, na segurança social, na previdência do Estado. E quando este estado de alma atinge a religião, periga a fé consistente e fortalecida pela razão, mas emerge a superstição fácil, a crendice esperançosa no maravilhoso do milagre, o diletantismo do cerimonial, que ameniza a angústia, mas logo se desfaz nas primeiras dificuldades do esforço e do sacrifício do caminho.
O homem de hoje desvaloriza e despreza o silêncio, embebedado pelo frenesim das tarefas quotidianas: busca, mesmo, a agitação como droga que inebria, o barulho que embota a consciência e a torna impermeável à voz da razão esclarecida pelos valores do espírito. E fora do silêncio, especialmente do silêncio interior, o homem não se encontra a si mesmo, vive alienado, em luta contra o tempo, sempre mais escasso e mais veloz.
É este o homem que definha na humanidade, que se animaliza, que se autodestrói, enquanto ser criado para viver em comunhão de amor com os seus irmãos e com o Criador. Destinado à felicidade eterna, que tem de preparar e construir já neste mundo em que vive, gera a infelicidade à sua volta, num inferno de ódios, de guerras, de violências, de ambições sem limites, de doenças... e de morte.
Há cerca de dois mil anos, emergiu na História da Humanidade um homem que veio dizer ao Mundo quem é o Homem, qual a sua origem e o seu destino. Já nessa altura os poderosos manipularam as turbas, apenas empolgadas pelos milagres, que, com algumas excepções, rapidamente perderam a capacidade de pensar, e contra ele praticaram o mais hediondo dos crimes: mataram-no, condenando-o ao suplício aviltante da cruz. Ele, que era o Homem perfeito, modelo para toda a Humanidade – caminho, verdade e vida, segundo a sua auto-identificação. Felizmente que ressuscitou, ao terceiro dia da sua morte, como havia anunciado, não para a vida antiga, mas para uma Vida que não tem fim – a Vida Eterna. Quis provar aos seus irmãos que a morte não tem a última palavra, e afirmou que todo aquele que n’Ele crê não morrerá jamais... N’Ele, Jesus Cristo, Filho do Homem e Filho de Deus.
E é este o grande dilema e o grande drama da Humanidade nos dias de hoje e sempre! Ou pára, pensa e reflecte para encontrar o seu Modelo, ou cai no vazio, no niilismo, na frustração, na desordem ontológica, origem de todas as desordens.
Mas, pensando bem, talvez Diógenes ainda ande por aí, segurando a sua lanterna, nas nossas praças e ruas, cadeias e hospitais, bairros e tugúrios... à procura do Homem... E, se bem escutarmos, no silêncio dos tempos, tal como no Pretório do governador romano, há dois mil anos, poderemos ouvir a voz nítida de Pilatos a responder-lhe, diante do desfigurado rosto, ensanguentado, de um condenado que chamava a Deus seu Pai, e apelidava os homens de seus irmãos:
- ECCE HOMMO!... – Eis o Homem!...

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