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Deus ou o dinheiro? Frei Bento - 27-02-2011

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Maria



Deus ou o dinheiro?
Frei Bento - 27-02-2011
Não há rivalidade entre Deus e a riqueza. Há rivalidade entre a Plenitude da Vida e a distorção do desejo1. Os textos do Evangelho de Jesus Cristo, quando não são anestesiados, parecem exercícios de pura provocação. Os que foram propostos na liturgia do domingo passado e na deste (Mt 5 e 6) deixam o pregador e as comunidades, se não forem fundamentalistas, sem saber o que pensar. Não se pode levar a mal, mas também não muito a sério, que Jesus, de vez em quando, se deixe levar pelo seu pendor anarquista e surrealista.

No domingo passado, com o pretexto de levar a Lei e os Profetas à plenitude, afrontava a religião em que nasceu e que o devia ter moldado. A expressão olho por olho, dente por dente, parece um modelo equilibrado de justiça: não há direito de arrancar dois olhos a quem só arrancou um, nem de partir os dentes todos a quem só partiu alguns. É uma questão de bom senso e delimitação da vingança, expressa na consagrada lei de talião (Ex 21, 25+ e par.).

Jesus não propõe nenhuma emenda a essa sentença. Parece rejeitá-la sem contemplações, avançando com o absurdo. "Digo-vos: não resistais ao homem mau. Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda. Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, acompanha-o durante duas."

Vai ainda mais longe. "Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem para serdes filhos do vosso Pai que está nos céus."

Depois de ter deixado o campo livre aos maus, ainda vem com uma proposta inacreditável: amai os vossos inimigos. Talvez que, assim, possa tornar os bons heróis de virtude, mas também encoraja os maus na sua maldade.

Sei que ninguém vai seguir os ditos de Jesus para reformular o código penal e, muito menos, se lembrará de os usar no funcionamento do Ministério da Justiça e dos seus agentes. No entanto, é possível que, a outro nível, Jesus tenha absolutamente razão.



2. O espírito de vingança nunca estará satisfeito com nenhum sentido de proporcionalidade. Com o ódio na alma, à violência só se responde com mais violência. A alternativa à maldade também não pode ser a cedência de terreno aos reis da violência. A resistência ao mal é um imperativo ético. A tolerância implica dizer não ao intolerável.

O século passado não foi, apenas, um século terrível, foi também o da resistência não-violenta à violência: Mahatma Gandhi (1869-1948), Nelson Mandela (1918-) e muitos seus seguidores e inspiradores abriram o único caminho que não tem, dentro de si, o princípio da sua degenerescência. Dentro da atitude e da prática de resistência não-violenta à violência, existe a intuição de que é preciso que esta resistência não nos torne, também a nós, violentos e, por outro lado, mostre que o ciclo da violência não tem de ser uma fatalidade. O amor dos inimigos que Jesus propõe não é um sentimentalismo. É uma energia de transformação, nossa e dos outros. É uma virtude.

Jesus passou a vida a denunciar a injustiça e a tomar a defesa dos oprimidos e excluídos, praticou a resistência activa ao mal. Em pleno tribunal, não deixou de assumir a sua defesa perante o sumo sacerdote e, quando agredido, resiste: "Se falei mal, mostra em quê, mas, se falei bem, por que me bates?"



3. Não é com lirismo que se pagam as contas ao fim do mês. Os desempregados que o digam. Jesus saberia disso, quando disse aos seus discípulos: "Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há-de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro. Por isso vos digo: não vos preocupeis, quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou de beber, nem, quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; o vosso Pai celeste as sustenta. Não valeis vós muito mais do que elas?"

Estaremos perante outro exercício de provocação? A Bíblia hebraica nunca pôs em concorrência Deus e o dinheiro, embora a chamada "teologia da prosperidade", que faz desta sinal de bênção divina, tenha sido submetida a uma crítica feroz dos profetas.

Então, por que será que Jesus põe Deus e o dinheiro em concorrência? Por uma razão muito simples: a sacralização do dinheiro e do seu império é uma idolatria. Faz dele o absoluto critério de tudo. É preciso sacrificar-lhe tudo e todos os valores. O rico nunca pensa que é suficientemente rico e o pobre ou remediado o que deseja é ser rico. A publicidade incendeia a insatisfação, o desejo, para nos tornar infelizes se não tivermos tudo, e já, que ela nos propõe.

Jesus Cristo não vê no desejo um mal nem propõe o esvaziamento do desejo como suprema iluminação. Propõe a conversão do desejo: onde tiveres o teu tesouro, aí estará o teu coração. Zaqueu, o rico, percebeu isso rapidamente. Passou a restituir o roubo, a nunca mais se aproveitar das necessidades dos outros e a partilhar os seus bens. Jesus comentou: "A salvação entrou na tua casa", o que não tinha acontecido na parábola do jovem rico.

Não há rivalidade entre Deus e a riqueza. Há rivalidade entre a Plenitude da Vida e a distorção do desejo que se deixa possuir pelo fascínio do dinheiro e de tudo o que ele exige e permite.


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