Bispos cristãos
por ANSELMO BORGES
Causou alguma admiração tanto interesse dos media, aquando do 75.º aniversário do patriarca de Lisboa, José Policarpo, e do seu pedido de resignação, sendo seguro que o Papa lhe concederá mais dois anos. Mas, afinal, o móbil dos media pareceu ser, mais do que fazer um balanço, por todos considerado positivo, a curiosidade quanto ao sucessor.
Só curiosidade? Alguma forma de pressão? A dança das cadeiras episcopais e dos seus ocupantes ainda atrai público? Afinal, a Igreja continua com peso suficiente para despertar interesse social e político? Concretamente, no caso de Lisboa, não há dúvida de que, embora o patriarca não tenha jurisdição sobre os outros bispos e não seja o "chefe" da Igreja em Portugal, de facto, mora na capital, está mais próximo do Poder e, consequentemente, não é indiferente para a sociedade o nome que se segue.
Seja como for, embora as incidências políticas sejam inevitáveis, um bispo é tão-só um líder à frente de uma diocese, para cuidar do seu povo. Deve, pois, antes de tudo, ser alguém que se destaca pela fé no Deus de Jesus e no anúncio, por palavras e obras, do Evangelho enquanto notícia boa e felicitante para a humanidade. Não pode haver carreiras episcopais, disputando lugares. Jesus foi contundente: "Sabeis que os que vemos governar as nações as dominam, e os grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim: pelo contrário, aquele que quiser ser grande seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro, seja o servo de todos." Afinal, não é por falar de dentro do seu Mercedes que um bispo adquire autoridade!
As únicas relíquias que Jesus deixou são comunidades cristãs vivas, que assentam em três pilares fundamentais, co-implicados.
O primeiro tem a ver com a fé, a entrega confiada ao Deus de Jesus e ao seu mistério. Uma fé que não é cega, mas crítica e esclarecida.
Outro pilar: a caridade e a justiça. Diziam os pagãos, referindo-se às primeiras comunidades cristãs: "Vede como eles se amam." Os discípulos agiam de acordo com o que Jesus tinha vivido e feito, a ponto de terem concluído que a única possível "definição" de Deus é esta: "Deus é amor."
O terceiro pilar diz que a vida cristã na fé e no amor se celebra em liturgias belas. Não se trata da prática ritual vazia, mas de celebrar, na fraternidade e na beleza e fazendo memória de Jesus crucificado e ressuscitado, o que se vive no quotidiano da vida, nas suas várias missões e tarefas. À celebração chega a vida e dela sai nova luz e entusiasmo para a vida e esperança para lá da morte.
E o bispo? Qual é o seu lugar? A sua missão só pode ser a de membro animador de animadores das comunidades cristãs nesta tríplice dimensão.
Ele há-de ser quem anima a fé e a esclarece, iluminando a vida toda: pessoal, familiar, comunitária, económica, política. Por isso, a sua palavra terá de ser iluminante, a partir de um duplo horizonte: o do Evangelho, enquanto Boa Notícia de Deus para cada homem e mulher, e o do mundo actual, com os seus problemas, dramas, alegrias e esperanças. Não basta estar presente nas chamadas redes sociais, para se ser um bispo moderno, que entende o mundo actual.
Tem de ser alguém que se entrega generosamente ao seu povo, decidido a defendê-lo e a combater com ele pela justiça e pela paz, pela promoção e dignificação da pessoa humana. As comunidades cristãs serão então exemplo para outros, incluindo o dever de denúncia de toda a forma de opressão. Nelas, no quadro da igual dignidade de homens e mulheres e cristãos, serão respeitados os carismas vários a favor de todos.
Há aquela expressão "católico não praticante". Uma expressão envenenada. Porque supõe que se segue os valores cristãos, só não se vai à missa nem à confissão. Mas será assim? Pratica-se real e verdadeiramente os valores cristãos da dignidade livre e da liberdade na dignidade? Por outro lado, as celebrações são belas ou uma imensa maçada no tédio e na banalidade, de tal modo que se tornam infrequentáveis?
O melhor que se pode dizer de um padre é que é um "padre cristão". O mesmo vale para um bispo.
in Público
por ANSELMO BORGES
Causou alguma admiração tanto interesse dos media, aquando do 75.º aniversário do patriarca de Lisboa, José Policarpo, e do seu pedido de resignação, sendo seguro que o Papa lhe concederá mais dois anos. Mas, afinal, o móbil dos media pareceu ser, mais do que fazer um balanço, por todos considerado positivo, a curiosidade quanto ao sucessor.
Só curiosidade? Alguma forma de pressão? A dança das cadeiras episcopais e dos seus ocupantes ainda atrai público? Afinal, a Igreja continua com peso suficiente para despertar interesse social e político? Concretamente, no caso de Lisboa, não há dúvida de que, embora o patriarca não tenha jurisdição sobre os outros bispos e não seja o "chefe" da Igreja em Portugal, de facto, mora na capital, está mais próximo do Poder e, consequentemente, não é indiferente para a sociedade o nome que se segue.
Seja como for, embora as incidências políticas sejam inevitáveis, um bispo é tão-só um líder à frente de uma diocese, para cuidar do seu povo. Deve, pois, antes de tudo, ser alguém que se destaca pela fé no Deus de Jesus e no anúncio, por palavras e obras, do Evangelho enquanto notícia boa e felicitante para a humanidade. Não pode haver carreiras episcopais, disputando lugares. Jesus foi contundente: "Sabeis que os que vemos governar as nações as dominam, e os grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim: pelo contrário, aquele que quiser ser grande seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro, seja o servo de todos." Afinal, não é por falar de dentro do seu Mercedes que um bispo adquire autoridade!
As únicas relíquias que Jesus deixou são comunidades cristãs vivas, que assentam em três pilares fundamentais, co-implicados.
O primeiro tem a ver com a fé, a entrega confiada ao Deus de Jesus e ao seu mistério. Uma fé que não é cega, mas crítica e esclarecida.
Outro pilar: a caridade e a justiça. Diziam os pagãos, referindo-se às primeiras comunidades cristãs: "Vede como eles se amam." Os discípulos agiam de acordo com o que Jesus tinha vivido e feito, a ponto de terem concluído que a única possível "definição" de Deus é esta: "Deus é amor."
O terceiro pilar diz que a vida cristã na fé e no amor se celebra em liturgias belas. Não se trata da prática ritual vazia, mas de celebrar, na fraternidade e na beleza e fazendo memória de Jesus crucificado e ressuscitado, o que se vive no quotidiano da vida, nas suas várias missões e tarefas. À celebração chega a vida e dela sai nova luz e entusiasmo para a vida e esperança para lá da morte.
E o bispo? Qual é o seu lugar? A sua missão só pode ser a de membro animador de animadores das comunidades cristãs nesta tríplice dimensão.
Ele há-de ser quem anima a fé e a esclarece, iluminando a vida toda: pessoal, familiar, comunitária, económica, política. Por isso, a sua palavra terá de ser iluminante, a partir de um duplo horizonte: o do Evangelho, enquanto Boa Notícia de Deus para cada homem e mulher, e o do mundo actual, com os seus problemas, dramas, alegrias e esperanças. Não basta estar presente nas chamadas redes sociais, para se ser um bispo moderno, que entende o mundo actual.
Tem de ser alguém que se entrega generosamente ao seu povo, decidido a defendê-lo e a combater com ele pela justiça e pela paz, pela promoção e dignificação da pessoa humana. As comunidades cristãs serão então exemplo para outros, incluindo o dever de denúncia de toda a forma de opressão. Nelas, no quadro da igual dignidade de homens e mulheres e cristãos, serão respeitados os carismas vários a favor de todos.
Há aquela expressão "católico não praticante". Uma expressão envenenada. Porque supõe que se segue os valores cristãos, só não se vai à missa nem à confissão. Mas será assim? Pratica-se real e verdadeiramente os valores cristãos da dignidade livre e da liberdade na dignidade? Por outro lado, as celebrações são belas ou uma imensa maçada no tédio e na banalidade, de tal modo que se tornam infrequentáveis?
O melhor que se pode dizer de um padre é que é um "padre cristão". O mesmo vale para um bispo.
in Público