25.05.2008,
Frei Bento Domingues O.P.
Apesar dos seus enormes benefícios, não creio que a tecnociência, a ética e a beleza bastem para nos salvar
1.No domingo passado, um amigo veio-me com esta: "Então a Igreja, agora, já admite extraterrestres?" Fiz-me desentendido: é uma crença muito antiga e com eles distribuídos pelo céu, pelo purgatório e pelo inferno. O limbo já fechou. Até deve haver mais extraterrestres do que terrestres... Não entrou na brincadeira e reproduziu-me uma notícia de mistura científico-teológica: "Pode-se admitir a existência de outros mundos e outras vidas, até mais evoluídas do que a nossa, sem por isso colocar em discussão a fé na criação, na encarnação e na redenção". "Serão anjos essas vidas mais evoluídas?", perguntei. Não se ria, pois a declaração vem de um astrónomo jesuíta, P. José Gabriel Funes, director do Observatório Astronómico do Vaticano. Na conversa, dei-me conta, mais urna vez, da urgência de uma formação cristã de qualidade que corresponda à cultura actual das crianças, adolescentes, jovens e adultos. Não bastam declarações de bons princípios, como a de João Paulo II: "A fé e a razão constituem como que as duas asas com as quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade" (Fides et Ratio). Importa multiplicar práticas e instrumentos que as concretizem. Já em 1891, Leão XIII tinha fundado o Observatório Vaticano, para mostrar que a "Igreja e os seus pastores não se opõem à ciência autêntica e sólida, tanto humana como divina, mas abraça-a, impulsiona-a e promove-a com a mais completa dedicação". Apesar da sede central do Observatório Vaticano ser em Castel Gandolfo, foi estabelecido um segundo centro de pesquisa, The Vatican Observatory Research Group (VORG) em Tucson, Arizona (EVA), em 1981. Este segundo centro é uma das maiores e mais modernas instituições de observação astronómica. Em 1993, em colaboração com o Steward Observatory, o Observatório Vaticano completou a construção do Vatican Advanced Technology Telescope (VATT), no Monte Graham, Arizona, considerado um dos melhores lugares astronómicos na América do Norte continental.
2.Existe, desde os anos 60 do século XX, no mundo inteiro, um vasto conjunto de iniciativas, instituições e pessoas ocupadas com a relação entre Teologia e Ciências Naturais (1).
Em todos os ramos do saber - Astronomia, Física, Química, Geologia, Biologia, Bioquímica, etc. - existem, certamente, muitos cientistas religiosos, mas ainda não se criou um clima, una cultura que não se contente em dizer que fé e ciência não são incompatíveis. Precisa-se de algo mais. Não deve ser, no entanto, desvalorizada a mudança de atitude na orientação da hierarquia da Igreja. Por diversas fases, foi passando da condenação e da suspeita para o desejo de uma síntese teológica de assimilação científica. No século XVIII, o concordismo era de lei. Tudo se fazia para mostrar que "a Bíblia tinha razão".
Mesmo no século XX, Pio XII quis utilizar resultados científicos de Astronomia e Cosmologia ou teorias como a do big bang para sustentar a acção criadora de Deus. Como, porém, observou João Paulo II, a religião não se fundamenta na ciência, nem a ciência é uma extensão da religião. A atitude concordista combatia mal o "antagonismo", o divórcio entre ciência e religião, que acusava a Igreja de obscurantista e inimiga da ciência. João Paulo II reconheceu que certas instâncias da Igreja cometeram erros, nomeadamente no caso de Galileu, pediu perdão e promoveu a investigação dessa triste história. Seja como for, o "antagonismo", do ponto de vista cristão, só pode resultar ou de erros de interpretação da religião ou da ciência ou de ambas. É importante que a teologia não professe uma pseudociência e a ciência não se torne uma teologia inconsequente. Para evitar o concordismo ou o antagonismo, alguns preferem uma reverente ignorância mútua a que outros chamam separatismo. Ciência e religião pertencem a mundos diferentes e, para bem da paz, é melhor levantar um muro que as separe.
3.Em certas correntes da Igreja, ainda não desapareceu o sonho, perante a cultura moderna, da síntese realizada na Idade Média por Tomás de Aquino, que assimilou a física, a antropologia, a ética e a metafísica aristotélicas. Serviram-lhe, re-elaboradas, para exprimir a teologia da fé cristã. Para realizar uma tarefa semelhante, são precisos cientistas e teólogos que se sintam bem nos dois campos, mas, como diz o P. Luís Archer, S.J, apesar de ser uma tarefa urgente, "levará ainda muito tempo até que se construa urna nova síntese teológica de assimilação científica". Não basta, porém, à pregação cristã, à catequese e à teologia o caminho da assimilação científica. Sem as linguagens da filosofia e de todas as formas de expressão artística, tornamo-nos incapazes de entender a Bíblia, o Credo cristão e as celebrações da fé. Apesar dos seus enormes benefícios, não creio, no entanto, que a tecnociência, a ética e a beleza bastem para nos salvar. Também não ponho a minha esperança nos extraterrestres. (I) Cf. Who"s Who in Theology and Science, editado pela John Templeton Foundation, Nova Iorque. A revista Concilium 284 (2000) encerra uma significativa documentação e bibliografia sobre Teologia e Ciência em Diálogo.
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Frei Bento Domingues O.P.
Apesar dos seus enormes benefícios, não creio que a tecnociência, a ética e a beleza bastem para nos salvar
1.No domingo passado, um amigo veio-me com esta: "Então a Igreja, agora, já admite extraterrestres?" Fiz-me desentendido: é uma crença muito antiga e com eles distribuídos pelo céu, pelo purgatório e pelo inferno. O limbo já fechou. Até deve haver mais extraterrestres do que terrestres... Não entrou na brincadeira e reproduziu-me uma notícia de mistura científico-teológica: "Pode-se admitir a existência de outros mundos e outras vidas, até mais evoluídas do que a nossa, sem por isso colocar em discussão a fé na criação, na encarnação e na redenção". "Serão anjos essas vidas mais evoluídas?", perguntei. Não se ria, pois a declaração vem de um astrónomo jesuíta, P. José Gabriel Funes, director do Observatório Astronómico do Vaticano. Na conversa, dei-me conta, mais urna vez, da urgência de uma formação cristã de qualidade que corresponda à cultura actual das crianças, adolescentes, jovens e adultos. Não bastam declarações de bons princípios, como a de João Paulo II: "A fé e a razão constituem como que as duas asas com as quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade" (Fides et Ratio). Importa multiplicar práticas e instrumentos que as concretizem. Já em 1891, Leão XIII tinha fundado o Observatório Vaticano, para mostrar que a "Igreja e os seus pastores não se opõem à ciência autêntica e sólida, tanto humana como divina, mas abraça-a, impulsiona-a e promove-a com a mais completa dedicação". Apesar da sede central do Observatório Vaticano ser em Castel Gandolfo, foi estabelecido um segundo centro de pesquisa, The Vatican Observatory Research Group (VORG) em Tucson, Arizona (EVA), em 1981. Este segundo centro é uma das maiores e mais modernas instituições de observação astronómica. Em 1993, em colaboração com o Steward Observatory, o Observatório Vaticano completou a construção do Vatican Advanced Technology Telescope (VATT), no Monte Graham, Arizona, considerado um dos melhores lugares astronómicos na América do Norte continental.
2.Existe, desde os anos 60 do século XX, no mundo inteiro, um vasto conjunto de iniciativas, instituições e pessoas ocupadas com a relação entre Teologia e Ciências Naturais (1).
Em todos os ramos do saber - Astronomia, Física, Química, Geologia, Biologia, Bioquímica, etc. - existem, certamente, muitos cientistas religiosos, mas ainda não se criou um clima, una cultura que não se contente em dizer que fé e ciência não são incompatíveis. Precisa-se de algo mais. Não deve ser, no entanto, desvalorizada a mudança de atitude na orientação da hierarquia da Igreja. Por diversas fases, foi passando da condenação e da suspeita para o desejo de uma síntese teológica de assimilação científica. No século XVIII, o concordismo era de lei. Tudo se fazia para mostrar que "a Bíblia tinha razão".
Mesmo no século XX, Pio XII quis utilizar resultados científicos de Astronomia e Cosmologia ou teorias como a do big bang para sustentar a acção criadora de Deus. Como, porém, observou João Paulo II, a religião não se fundamenta na ciência, nem a ciência é uma extensão da religião. A atitude concordista combatia mal o "antagonismo", o divórcio entre ciência e religião, que acusava a Igreja de obscurantista e inimiga da ciência. João Paulo II reconheceu que certas instâncias da Igreja cometeram erros, nomeadamente no caso de Galileu, pediu perdão e promoveu a investigação dessa triste história. Seja como for, o "antagonismo", do ponto de vista cristão, só pode resultar ou de erros de interpretação da religião ou da ciência ou de ambas. É importante que a teologia não professe uma pseudociência e a ciência não se torne uma teologia inconsequente. Para evitar o concordismo ou o antagonismo, alguns preferem uma reverente ignorância mútua a que outros chamam separatismo. Ciência e religião pertencem a mundos diferentes e, para bem da paz, é melhor levantar um muro que as separe.
3.Em certas correntes da Igreja, ainda não desapareceu o sonho, perante a cultura moderna, da síntese realizada na Idade Média por Tomás de Aquino, que assimilou a física, a antropologia, a ética e a metafísica aristotélicas. Serviram-lhe, re-elaboradas, para exprimir a teologia da fé cristã. Para realizar uma tarefa semelhante, são precisos cientistas e teólogos que se sintam bem nos dois campos, mas, como diz o P. Luís Archer, S.J, apesar de ser uma tarefa urgente, "levará ainda muito tempo até que se construa urna nova síntese teológica de assimilação científica". Não basta, porém, à pregação cristã, à catequese e à teologia o caminho da assimilação científica. Sem as linguagens da filosofia e de todas as formas de expressão artística, tornamo-nos incapazes de entender a Bíblia, o Credo cristão e as celebrações da fé. Apesar dos seus enormes benefícios, não creio, no entanto, que a tecnociência, a ética e a beleza bastem para nos salvar. Também não ponho a minha esperança nos extraterrestres. (I) Cf. Who"s Who in Theology and Science, editado pela John Templeton Foundation, Nova Iorque. A revista Concilium 284 (2000) encerra uma significativa documentação e bibliografia sobre Teologia e Ciência em Diálogo.
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