Não há falta de recursos
Frei Bento Domingues O.P. - 20090726
Os problemas não se resolvem com milagres. Estes podem ser, eventualmente, uma pedra no charco do fatalismo1.No Evangelho segundo S. João ou, como outros dizem, no IV Evangelho, há uma passagem que tem provocado os comentários mais contraditórios. Estava Jesus à mesa com os discípulos, em casa de Lázaro, que havia retornado à vida. Marta servia-os. Maria, como se sabe por outras fontes, não era muito dada aos trabalhos de casa. Tinha outros interesses e alguns comportamentos estranhos. Conta o Evangelho que, nesse jantar, resolveu banhar os pés de Jesus com um "perfume de puro nardo, muito caro", e de os enxugar com os seus próprios cabelos. A casa ficou toda perfumada.
Judas estava nesse jantar. Não suportou a atitude passiva de Jesus: "Porque não se vendeu este perfume por trezentos denários (equivalente a trezentos dias de salário) para dar aos pobres?" A observação de Judas não podia ser mais sensata: andava Jesus sempre preocupado com os pobres e, depois, deixa gastar, consigo, essa quantia exorbitante num gesto de pura gratuidade.
O narrador não gostou da observação de Judas e aproveitou para carregar mais a sua triste memória: "Ele disse isto, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão e, tendo a bolsa comum, roubava o que aí era colocado." Mais ainda. O narrador destaca a reacção de Jesus, politicamente incorrecta, que atravessou os séculos e tem sido usada para o melhor e para o pior: "Deixai-a; para me ungir no dia do meu sepultamento é que o guardou! Pois sempre tereis pobres convosco, mas a mim nem sempre me tereis."
2.Já não estamos no clima da "opção preferencial pelos pobres", um tema fundamental da Teologia da Libertação. Dispomos, no entanto, de bastantes teóricos para explicar as raízes da pobreza e com programas que a podem vencer a curto prazo. Não faltam obras de autores muito considerados - vários já apresentados nestas crónicas - que apontam métodos e medidas para conseguir o fim da pobreza na nossa geração. De vez em quando, há notícias, a nível nacional e internacional, de voluntários das organizações da Igreja ou não, tanto para socorrer os pobres, em situação de urgência, como para vencer as razões da sua exclusão.
António Guterres - alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados - veio a Lisboa receber o Prémio Internacional Calouste Gulbenkian. Foi entrevistado por Teresa de Sousa (P2, 22/07/2009). Esta lembrou-lhe a comparação que tinha feito entre os gastos da comunidade internacional para salvar o sistema financeiro e o que fazia para salvar as pessoas em situação desesperada. Esclareceu que não pede que seja gasto o mesmo dinheiro que foi gasto para salvar o sistema financeiro: "Se o fizesse seria demagogo. O que peço é que seja dada a mesma atenção aos problemas humanos que é dada aos problemas financeiros. (...) O financeiro recebe sempre mais atenção que o económico, o económico mais que o social e o social mais atenção que o humanitário."
Há 40 anos, uma data recordada na semana passada, os astronautas norte-americanos realizaram um grande sonho: "Aqui, homens do planeta Terra/ puseram os pés na Lua pela primeira vez/ Julho 1969 A.D./ Viemos em paz em nome da Humanidade."
Os dramas da pobreza extrema e da exclusão, que entristecem o nosso mundo, estão muito mais perto do que a Lua. Porque será que o abismo entre ricos e pobres se alarga cada vez mais? Poderíamos actualizar a queixa de Judas: em vez de andar a gastar essas somas astronómicas com a conquista do espaço, não seria melhor aplicá-las a vencer esta distância desumana? Não me parece que o dinheiro aplicado na investigação seja roubado aos pobres. Não seria difícil mostrar que os seus resultados podem vir a beneficiar toda a gente, tornar-se um bem comum para futuras gerações. A questão é outra.
3.Jesus Cristo não deixou nenhum método científico nem qualquer fórmula técnica para resolver os nossos problemas. Ninguém lhe peça, mesmo que seja muito católico, um programa de governo ou qualquer projecto de desenvolvimento.
É verdade que, na Missa de hoje, Jesus provoca os seus discípulos (Jo 6, 1-15). A situação era crítica. Uma multidão veio para a montanha escutar o mestre. Não havia nada para comer. Segundo os cálculos dos discípulos, duzentos denários de pão não chegavam nem para dar um bocadinho a cada um e não era com cinco pães de cevada e dois peixes, que um rapazito andava a vender, que se resolvia a questão. Jesus pediu aos discípulos para mandar sentar aquela gente toda. Deu graças a Deus, houve pão e peixe para todos - comeram quanto quiseram - e até sobrou, mas não permitiu desperdícios.
A multidão ficou entusiasmada: "Este é, na verdade, o Profeta que estava para vir ao mundo." Tinham encontrado a solução para todas as situações. O narrador desta história tem uma observação curiosa: Jesus, percebendo que o queriam fazer rei, fugiu. Os problemas não se resolvem com milagres. Estes podem ser, eventualmente, uma pedra no charco do fatalismo. Não são um método. A graça provoca a nossa responsabilidade, não a substitui. Não há falta de recursos. Há falta de sonho e de coração. Até Setembro.
Frei Bento Domingues O.P. - 20090726
Os problemas não se resolvem com milagres. Estes podem ser, eventualmente, uma pedra no charco do fatalismo1.No Evangelho segundo S. João ou, como outros dizem, no IV Evangelho, há uma passagem que tem provocado os comentários mais contraditórios. Estava Jesus à mesa com os discípulos, em casa de Lázaro, que havia retornado à vida. Marta servia-os. Maria, como se sabe por outras fontes, não era muito dada aos trabalhos de casa. Tinha outros interesses e alguns comportamentos estranhos. Conta o Evangelho que, nesse jantar, resolveu banhar os pés de Jesus com um "perfume de puro nardo, muito caro", e de os enxugar com os seus próprios cabelos. A casa ficou toda perfumada.
Judas estava nesse jantar. Não suportou a atitude passiva de Jesus: "Porque não se vendeu este perfume por trezentos denários (equivalente a trezentos dias de salário) para dar aos pobres?" A observação de Judas não podia ser mais sensata: andava Jesus sempre preocupado com os pobres e, depois, deixa gastar, consigo, essa quantia exorbitante num gesto de pura gratuidade.
O narrador não gostou da observação de Judas e aproveitou para carregar mais a sua triste memória: "Ele disse isto, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão e, tendo a bolsa comum, roubava o que aí era colocado." Mais ainda. O narrador destaca a reacção de Jesus, politicamente incorrecta, que atravessou os séculos e tem sido usada para o melhor e para o pior: "Deixai-a; para me ungir no dia do meu sepultamento é que o guardou! Pois sempre tereis pobres convosco, mas a mim nem sempre me tereis."
2.Já não estamos no clima da "opção preferencial pelos pobres", um tema fundamental da Teologia da Libertação. Dispomos, no entanto, de bastantes teóricos para explicar as raízes da pobreza e com programas que a podem vencer a curto prazo. Não faltam obras de autores muito considerados - vários já apresentados nestas crónicas - que apontam métodos e medidas para conseguir o fim da pobreza na nossa geração. De vez em quando, há notícias, a nível nacional e internacional, de voluntários das organizações da Igreja ou não, tanto para socorrer os pobres, em situação de urgência, como para vencer as razões da sua exclusão.
António Guterres - alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados - veio a Lisboa receber o Prémio Internacional Calouste Gulbenkian. Foi entrevistado por Teresa de Sousa (P2, 22/07/2009). Esta lembrou-lhe a comparação que tinha feito entre os gastos da comunidade internacional para salvar o sistema financeiro e o que fazia para salvar as pessoas em situação desesperada. Esclareceu que não pede que seja gasto o mesmo dinheiro que foi gasto para salvar o sistema financeiro: "Se o fizesse seria demagogo. O que peço é que seja dada a mesma atenção aos problemas humanos que é dada aos problemas financeiros. (...) O financeiro recebe sempre mais atenção que o económico, o económico mais que o social e o social mais atenção que o humanitário."
Há 40 anos, uma data recordada na semana passada, os astronautas norte-americanos realizaram um grande sonho: "Aqui, homens do planeta Terra/ puseram os pés na Lua pela primeira vez/ Julho 1969 A.D./ Viemos em paz em nome da Humanidade."
Os dramas da pobreza extrema e da exclusão, que entristecem o nosso mundo, estão muito mais perto do que a Lua. Porque será que o abismo entre ricos e pobres se alarga cada vez mais? Poderíamos actualizar a queixa de Judas: em vez de andar a gastar essas somas astronómicas com a conquista do espaço, não seria melhor aplicá-las a vencer esta distância desumana? Não me parece que o dinheiro aplicado na investigação seja roubado aos pobres. Não seria difícil mostrar que os seus resultados podem vir a beneficiar toda a gente, tornar-se um bem comum para futuras gerações. A questão é outra.
3.Jesus Cristo não deixou nenhum método científico nem qualquer fórmula técnica para resolver os nossos problemas. Ninguém lhe peça, mesmo que seja muito católico, um programa de governo ou qualquer projecto de desenvolvimento.
É verdade que, na Missa de hoje, Jesus provoca os seus discípulos (Jo 6, 1-15). A situação era crítica. Uma multidão veio para a montanha escutar o mestre. Não havia nada para comer. Segundo os cálculos dos discípulos, duzentos denários de pão não chegavam nem para dar um bocadinho a cada um e não era com cinco pães de cevada e dois peixes, que um rapazito andava a vender, que se resolvia a questão. Jesus pediu aos discípulos para mandar sentar aquela gente toda. Deu graças a Deus, houve pão e peixe para todos - comeram quanto quiseram - e até sobrou, mas não permitiu desperdícios.
A multidão ficou entusiasmada: "Este é, na verdade, o Profeta que estava para vir ao mundo." Tinham encontrado a solução para todas as situações. O narrador desta história tem uma observação curiosa: Jesus, percebendo que o queriam fazer rei, fugiu. Os problemas não se resolvem com milagres. Estes podem ser, eventualmente, uma pedra no charco do fatalismo. Não são um método. A graça provoca a nossa responsabilidade, não a substitui. Não há falta de recursos. Há falta de sonho e de coração. Até Setembro.