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A MISSA SOBRE O MUNDO - III

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1A MISSA SOBRE O MUNDO - III Empty A MISSA SOBRE O MUNDO - III Dom 27 Abr - 10:10

Maria



COMUNHÃO

Se o Fogo desceu ao coração do Mundo é, finalmente, para me tomar e para me
absorver. A partir de então, não basta que eu o contemple e que por uma fé
viva intensifique sem cessar seu ardor à minha volta. É preciso que, depois
de haver cooperado, de todas as minhas forças, com a Consagração que o faz
jorrar, eu consinta enfim na comunhão que lhe dará em minha pessoa o
alimento que ele veio finalmente procurar.

Prosto-me, meu Deus, diante de vossa Presença no Universo em chamas e, sob
os traços de tudo aquilo que encontrarei, e de tudo que me acontecerá, e de
tudo que realizarei neste dia, desejo-Vos e Vos espero.

É terrível ter nascido, isto é, encontrar-se irrevogavelmente arrebatado,
sem o ter querido, numa torrente de energia formidável que parece querer
destruir tudo quanto arrasta consigo.

Quero, meu Deus, por uma inversão de forças das quais só Vós podeis ser o
autor, que o pavor que me domina diante das alterações sem nome, prontas a
renovar meu ser, vire uma alegria transbordante de ser transformado em Vós.

Sem hesitar, primeiro, estenderei a mão para o pão ardente que me
apresentais. Neste pão, onde encerrastes o germe de todo desenvolvimento,
reconheço o princípio e o segredo do futuro que me reservais. Tomá-lo é me
entregar, eu o sei, aos poderes que me arrancarão dolorosmente de mim mesmo
para me atirar no perigo, no trabalho, na renovação contínua das idéias, no
desapego austero das afeições. Comê-lo é adquirir, por aquilo que em todas
as coisas está acima de tudo, um gosto e uma afinidade que me tornarão
doravante impossíveis as alegrias em que se acalentava minha vida. Senhor
Jesus, aceito ser possuído por Vós, e conduzido pelo inexprimível poder de
vosso Corpo ao qual estarei ligado, em direção a soledades às quais,
sozinho, jamais teria ousado subir. Instintivamente, como todo Homem,
gostaria de erguer aqui minha tenda sobre um monte escolhido. Tenho medo,
como todos os meus irmãos, do futuro excessivamente misterioso e novo para o
qual me impele a duração. E depois com eles pergunto-me ansioso: aonde vai a
vida?... Possa esta comunhão do pão com o Cristo revestido dos poderes que
dilatam o Mundo libertar-me de minha timidez e de minha indiferença.
Lanço-me, ó meu Deus, apoiado em vossa Palavra, no turbilhão das lutas e das
energias em que se desenvolverá meu poder de perceber e expeimentar vossa
Santa Presença. Aquele que amar apaixonadamente a Jesus escondido nas forças
que fazem crescer a Terra, a Terra maternalmente o elevará em seus braços
gigantes e o fará contemplar o semblante de Deus.

Se vosso reino, meu Deus, fosse deste Mundo, bastaria para Vos possuir, que
eu me confiasse aos poderes que nos fazem sofrer e morrer engrandecendo-nos
palpavelmente a nós ou àquilo que nos é mais caro em nós mesmos. Mas, posto
que o Termo em direção ao qual se move a Terra está para além não somente de
cada coisa individual, mas do conjunto das coisas - o trabalho do Mundo
consiste não em engendrar em si mesmo alguma Realidade suprema, mas em se
consumir por união num Ser pré-existente - conclui-se que, para chegar ao
centro flamejante do Universo, não basta ao Homem viver cada vez mais para
si, nem mesmo dedicar sua vida a uma causa terrestre por maior que ela seja.
O Mundo só pode finalmente se reunir a Vós, Senhor, por uma espécie de
inversão, de retorno, de excentração onde por um tempo, soçobra não somente
o êxito dos indivíduos, mas a própria aparência de todo proveito humano.
Para que meu ser seja decididamente anexado ao vosso, é preciso que morra em
mim não somente a mônada, mas o Mundo, isto é, que eu passe pela fase
dilacerante de uma diminuição que nada de tangível virá compensar. Eis por
que, recolhendo no cálice a amargura de todas as separações, de todas as
limitações, de todas as quedas estéreis, Vós mo ofereceis: "Bebei dele
todos".

Como, Senhor, recusaria este Cálice, agora que pelo pão que me fizestes
saborear, introduziu-se no âmago de meu ser a inextinguível paixão de Vos
abraçar, para além da vida, através da morte? A Consagração do Mundo já
permaneceria inacabada se não tivésseis animado com predileção, para aqueles
que crêem, as forças que matam, depois das que vivificam. Minha Comunhão
seria então incompleta (simplesmente não seria cristã) se, com os acréscimos
que este novo dia me traz, eu não recebesse, em meu nome e em nome do Mundo,
como a mais direta participação em Vós mesmo, o trabalho, surdo ou
manifesto, de enfraquecimento, de velhice e de morte que mina
incessantemente o Universo, para sua salvação ou condenação. Abandono-me
perdidamente, ó meu Deus, às temíveis ações de dissolução pelas quais vossa
divina Presença se substituirá hoje, nisso quero crer totalmente, à minha
estreita personalidade. Aquele que tiver amado apaixonadamente a Jesus
escondido nas forças que fazem morrer a Terra, a Terra se desfazendo, o
estreitará em seus braços gigantes e, com ela, ele também despertará no seio
de Deus.

ORAÇÃO

E agora, Jesus, que escondido sob os poderes do Mundo, Vos tornastes
verdadeira e fisicamente tudo para mim, tudo à minha volta, tudo em mim,
farei passar numa mesma aspiração a embriaguez daquilo que tenho e a sede
daquilo que me falta, e Vos repetirei, segundo vosso servidor, as palavras
inflamadas em que se reconhecerá sempre mais exatamente, nisso tenho fé
inabalável, o Cristianismo de amanhã:

"Senhor, encerrai-me no mais profundo das entranhas de vosso Coração. E,
quando aí me tiverdes, abrasai-me, purificai-me, inflamai-me, sublimai-me,
até a satisfação perfeita de vossos gostos, até a mais completa aniquilação
de mim mesmo."

"Senhor". Ah sim, finalmente! pelo duplo mistério da Consagração e da
Comunhão universais, encontrei assim alguém a quem possa, de todo o coração,
dar este nome: Senhor! Enquanto eu não soube ou não ousei ver em Vós, Jesus,
mais que o Homem de há dois mil ano, o Moralista sublime, o Amigo, o Irmão,
meu amor permaneceu tímido e constrangido. Amigos, irmãos, sábios, não os
temos nós tão grandes e tão requintados e mais próximos, à nossa volta? E
depois, pode o Homem se dar plenamente a uma natureza estritamente humana?
Desde sempre, o Mundo, acima de todo elemento do Mundo, havia tomado meu
coração, e eu nunca me curvara sinceramente diante de mais ninguém. Então,
durante muito tempo, mesmo crendo, errei sem saber aquilo que amava. Mas
hoje que, pela plena manifestação dos poderes supra-humanos que a
Ressurreição vos conferiu, transpareceis para mim, Mestre, através de todos
os poderes da Terra; hoje eu Vos reconheço como meu Soberano e me entrego
deliciosamente a Vós.

Estranhos caminhos os de vosso Espírito, meu Deus! - Quando, há dois
séculos, começou a se fazer sentir em vossa Igreja, a atração distinta de
vosso Coração, pôde parecer que o que seduzia as almas era a descoberta em
Vós de um elemento mais determinado, mais circunscrito que a vossa própria
Humanidade. Ora, eis que agora, súbita inversão: torna-se evidente que pela
"revelação" de vosso Coração, Vós quisestes, acima de tudo, Jesus, fornecer
ao nosso amor o meio de escapar do que era estreito demais, preciso demais,
limitado demais na imagem que fazíamos de Vós. No centro de vosso peito, não
percebo senão uma fornalha; e quanto mais fixo esta fornalha ardente, tanto
mais me parece que à volta os contornos de vosso Corpo se fundem, crescendo
além de toda medida, até não se distinguirem mais em Vós outros traços que
os da figura de um Mundo incendiado.

Cristo glorioso! Influência secretamente difusa no seio da Matéria e Centro
deslumbrante em que se ligam todas as fibras inúmeras do Múltiplo;
Potência implacável como o Mundo e quente como a Vida; Vós que tendes a
fronte de neve, os olhos de fogo, os pés mais irradiantes que o ouro em
fusão; Vos cujas mãos aprisionam as estrelas, Vós que sois o primeiro e
o último, o vivo, o morto e o ressuscitado: Vós que reunis em vossa unidade
todos os encantos, todos os gostos, todas as forças, todos os estados: é por
Vós que meu ser chamava com um desejo tão vasto quanto o Universo: Vós sois
verdadeiramente meu Senhor e meu Deus!

"Encerrai-me em Vós, Senhor." Ah! eu creio (e tanto que essa fé se tornou um
dos fundamentos de minha vida íntima): trevas absolutamente exteriores a Vós
seriam umpuro nada. Nada pode subsistir fora de vossa Carne, Jesus; a tal
ponto que mesmo aqueles que se encontram rejeitados fora de vosso amor se
beneficiam ainda, para sua infelicidade, do suporte de vossa presença.
Estamos todos irremediavelmente em Vós, Meio universal de consistência e de
vida! - Mas justamente porque não somos coisas definitivamente prontas que
possam ser concebidas indiferentemente como próximas ou afastadas de Vós;
justamente porque em nós o sujeito da união cresce com a própria união que
nos entrega progressivamente a Vós; - em nome daquilo que há de mais
essencial em meu ser, Senhor, escutai o desejo desta coisa que ouso chamar
minha alma, ainda que, a cada dia que passa, eu compreenda o quanto ela é
maior do que eu; e para estancar minha sede de existir - através das zonas
sucessivas de vossa Substância profunda - atraí-me até as dobras íntimas do
Centro de vosso Coração.

Mais profundo sois encontrado, Mestre, mais vossa influência se descobre
universal. Sob este aspecto poderia apreciar, a cada instante, o quanto
avancei em Vós. Quando eu visse todas as coisas guardando à minha volta seu
sabor num único Elemento, infinitamente próximo e infinitamente distante, -
quando, aprisionado na intimidade ciumenta de um santuário divino, eu me
sentisse entretanto errar livremente pelo céu de todas as criaturas, então
saberia estar próximo do lugar central para onde converge o coração do Mundo
na irradiação descendente do Coração de Deus.

Nesse ponto de universal abrasamento, agi sobre mim, Senhor, pelo fogo
reunido de todas as ações interiores e exteriores que, provadas menos perto
de Vós, seriam neutras, equívocas ou hostis; mas que, animadas por uma
Energia "que tudo pode dominar", tornam-se, nas profundezas físicas de vosso
Coração, os anjos de vossa vitoriosa operação. Por uma combinação
maravilhosa, com vossa atração, exaltai - e depois desgostai - meu coração
do encanto das criaturas e da sua insuficiência, de sua doçura e de sua
maldade, de sua decepcionante fraqueza e de seu espantoso poder; ensinai-me
a verdadeira pureza, aquela que não é separação anemizante das coisas, mas
um impulso através de todas as belezas; revelai-me a verdadeira caridade,
aquela que não é o medo estéril de fazer o mal, mas a vontade vigorosa de
forçar, todos juntos, as portas da vida; dai-me, enfim, dai-me acima de
tudo, por uma visão sempre maior de vossa onipresença, a paixão
bem-aventurada de descobrir, de fazer e de suportar sempre um pouco mais o
MUndo, a fim de penetrar sempre mais em Vós.

Toda minha alegria e meu êxito, toda a minha razão de ser e meu gosto de
viver, meu Deus,
estão suspensos a essa visão fundamental de vossa conjunção com o Universo.
Que outros anunciem os esplendores de vosso puro Espírito! Para mim,
dominado por uma vocação que penetra até ás últimas fibras de minha
natureza, eu não quero, eu não posso dizer outra coisa que os inúmeros
prolongamentos de vosso Ser encarnado através da matéria: jamais poderia
pregar senão o mistério de vossa Carne, ó Alma que transpareceis em tudo o
que nos rodeia!

Ao vosso Corpo, em toda sua extensão, isto é, ao Mundo tornado por vosso
poder e por minha fé o crisol magnífico e vivo em que tudo aparece para
renascer, - por todos os recursos que fazem jorrar em mim a vossa atração
criadora, por minha ciência fraca demais, por meus laços religiosos, por meu
sacerdócio e (no que mais insisto) pelo fundo de minha convicção humana -
para nele viver e morrer, - eu me entrego, ó Jesus.

Ordos, 1923.
(Em Hino do Universo, 1923)

_____________________________________________________________
recebido por e-mail do Gil
_________________
Apliquemo-nos a conhecer o Senhor; sua vinda é certa como a da aurora; ele virá a nós como a chuva, como a chuva da primavera que irriga a terra. (Os 6,3)

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